Publicidade

Últimas Notícias

HOMENAGEM A NAIARA KARINE

O Texto a seguir, foi escrito por Débora Stevaux em  homenagem à sua amiga Naiara Karine, assassinada brutalmente no dia 26 de janeiro de 2013, em Porto Velho, e hoje, dia Internacional da mulher, é compartilhado nas redes sociais,  pelo pai da mesma, Sr. Paulo Cesar Freitas.

Sobre o dia oito de março
Todo santo dia algo reaviva a minha memória e me pressiona para que o meu silêncio seja quebrado constantemente. É sempre muito inusitado quando você me toca diariamente, seja por uma música ou por uma atitude machista que eu tenha presenciado, por uma notícia de estupro ou por uma foto sua; mas aí eu volto a reescrever o texto que tinha feito em sua homenagem e ele permanece sempre assim: mutável e inacabado. Depois disso é só silêncio, como se eu fosse obrigada a engolir todas as palavras que um dia eu pensei em te dedicar em um engasgo seco. Porque todas as construções verbais são incapazes de traduzir tamanha revolta e saudade que eu sinto por você. 
Há um tempo eu visitei um blog que compilava, de maneira bem pouco minuciosa, os nomes das vítimas fatais da violência contra a mulher. Angustiada, eu prometi pra mim mesma que você não seria somente mais um daqueles nomes, ou só mais uma notícia que depois de horas estaria ultrapassada e esquecida pelas urls e pelos poucos jornais que noticiaram tudo o que você passou. Também não poderia fazer menção a estatísticas de violência sexual e de feminicídio, pois a tua morte não merece ser transformada em números frívolos, como se fosse só mais uma.
A sua semelhança comigo fez com que eu me colocasse no seu lugar diversas vezes. E se eu tivesse sido você? Quantos gritos eu daria, por quanto eu clamaria por socorro? Quais teriam sido os meus planos de fuga? Eu teria pensado que, em algum momento, eu morreria dessa maneira? E por que eu morri? Por que fizeram isso comigo? Eu teria sequer imaginado que um ano depois da minha morte, parte dos responsáveis ainda estaria em liberdade? Quantos sonhos eu deixei de realizar?
Em 1962, Clarice publica uma crônica na revista "Senhor" sobre um bandido chamado Mineirinho, que foi assassinado com treze tiros na madrugada de primeiro de maio daquele mesmo ano. Diferenças à parte, adaptando o final dessa crônica, encerro o meu desabafo: "Mas há alguma coisa que, se na primeira e na segunda facadas transformam meu choro desesperado em grito; na terceira aperta o nó da minha garganta; na quarta e quinta me deixam a carne e a boca trêmula; na sexta e na sétima palpitam o meu coração de horror; na oitava e na nona me desassossegam a alma; na décima e décima primeira me transportam para o local do crime; na décima segunda corrompe os meus vasos sanguíneos e me emplaca a dor constante; na décima terceira recria no meu corpo a violência sexual; na décima quarta invade a minha boca de sangue e de todos os clamores existentes; na décima quinta me instala um nojo inerente ao ser humano; na décima sexta me abordam como abordaram a Nai; a décima sétima destrói a esperança de me salvar; na décima oitava me obrigam à tirar a roupa; na décima nona me desvestem de toda humanidade; na vigésima acabam por destruir minha blusa listrada bem como qualquer presença de Deus naquela hora; na vigésima primeira tenta sufocar, sem sucesso, um grito; o grito da Nai, o grito de todas as mulheres que morreram pelo direito de escolha, pelo direito à vida. A vigésima-segunda me assassina, Porque eu sou a outra, porque eu quero ser a outra."
(Texto feito em homenagem à minha amiga Naiara Karine da Costa Freitas, de 18 anos, violentada sexualmente e assassinada com vinte e duas facadas, no dia 24 de Janeiro de 2013.)

Nenhum comentário