sexta-feira, 3 de julho de 2020

URGENTE - GRUPO ROVEMA TENTA CALAR JORNALISTA MAS PERDE AÇÃO NA JUSTIÇA

"As teses da parte autora não merecem acolhida, pois não houve ofensa, mas sim a comunicação de uma decisão judicial. Destaca-se a inexistência de emissão de qualquer juízo de valor sobre os fatos noticiados que foram relatados de maneira sucinta, atendo-se aos limites da informação recebida, e, ainda, a ausência de mácula na obtenção da informação, a origem pública da notícia e a natureza dos fatos narrados que estão relacionados a uma conduta delitiva, a revelar o interesse público na divulgação."
A ação foi proposta pela CENTRAL ADMINISTRACAO E PARTICIPACOES LTDA que controla o GRUPO ROVEMA que se sentiu ofendida em uma publicação do jornalista Carlos Caldeira ao tornar publico uma decisão judicial da 7ª Vara do Trabalho da capital que bloquou R$ 2.668.879,08 da empresa Madeira Seguros que também pertence ao Grupo Rovema por conta de dívidas com funcionários do Consórcio do Sistema Integrado Municipal de Transporte de Passageiro (Consórcio SIM). RELEMBRE O CASO

Os advogados do poderoso grupo economico propôs AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS C/C PEDIDO DE TUTELA DE URGÊNCIA contra o jornalista CARLOS CALDEIRA, alegando, em síntese, que ela administra as empresas do grupo Rovema, e que tais empresas estão sendo atacadas por publicações de cunho difamatório e tendencioso, realizadas pelo requerido em seu blog.

Na inicial eles argumentam que a publicação é diversa da realidade dos fatos, pois o grupo Rovema não possui nenhuma relação com o Consórcio SIM e seus trabalhadores, e requereu a concessão de tutela de urgência para que esse jornalista seja proibido de publicar qualquer matéria que envolva o nome das empresas do grupo Rovema e requereu ainda, que ao final, seja condenado a pagar uma indenização no valor de R$20.000,00 (vinte mil reais) a titulo de danos morais.

Os advogados que defendem o jornalista, OSCAR DIAS NETO e RAPHAEL LUIZ WILL sustentaram que a notícia postada em seu blog retrata fielmente o contido nos autos nº 0000046-89.2019.514.0007, da 7ª Vara do Trabalho de Porto Velho – RO, e tal notícia foi confirmado pela sentença exarada pela M. M. Juíza Trabalhista e  que o mesmo agiu dentro da liberdade de informar, sem proferir qualquer expressão lesiva à honra da parte autora, limitando-se a exercer o direito-dever de publicar notícias de interesse público, unicamente com animus narrandi.

Os defensores de Caldeira ainda solicitaram a condenação da autora por litigância de má-fé e a improcedência dos pedidos autorais e juntou cópia da sentença trabalhista.

SENTENÇA
É, em essência, o relatório. FUNDAMENTO e DECIDO. 

Do Julgamento Antecipado: 

O processo em questão comporta o julgamento antecipado, nos termos do artigo 355, inciso I, do Código de Processo Civil, haja vista que a questão controvertida nos autos é meramente de direito, mostrando-se, por outro lado, suficiente a prova documental produzida, para dirimir as questões de fato suscitadas, de modo que desnecessário se faz designar audiência de instrução e julgamento para a produção de novas provas. 

Ademais, o Excelso Supremo Tribunal Federal já de há muito se posicionou no sentido de que a necessidade de produção de prova em audiência há de ficar evidenciada para que o julgamento antecipado da lide implique em cerceamento de defesa. A antecipação é legítima se os aspectos decisivos da causa estão suficientemente líquidos para embasar o convencimento do magistrado (RTJ 115/789). 

O feito observou tramitação regular, estão presentes os pressupostos de constituição e desenvolvimento válidos do processo, além de reunidas as condições da ação. Considerando a ausência de questões preliminares ou prejudiciais a serem resolvidas, passo diretamente ao exame do mérito. 

Não há controvérsia entre as partes sobre a divulgação da notícia do bloqueio de valores realizado pela Justiça Trabalhista no blog do requerido (Id. 26451546). A controvérsia repousa em saber se tais publicações foram feitas no regular direito da liberdade de expressão ou se houve excesso apto a configurar violação da honra da parte autora. 

Como se vê, as partes apresentaram teses divergentes a respeito da matéria, de maneira que a controvérsia deve ser resolvida pelo sistema probatório do art. 333 do CPC: 

Num. 41462504 - Pág. 2 "Art. 333 - O ônus da prova incumbe: 

I - ao autor, quanto ao fato constitutivo do seu direito. 

II - ao réu, quanto à existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor." 

Assim, o Código de Processo Civil estabelece que o ônus da prova incumbe ao autor, quanto ao fato constitutivo do seu direito (art. 333, I), adotando a regra compilada por Justiniano, no sentido de que"a prova incumbe a quem afirma e não a quem nega a existência de um fato (Dig. XXII, 3, 2)", ou seja"o autor precisa demonstrar em juízo a existência do ato ou fato por ele descrito na inicial como ensejador de seu direito"(Nelson Nery Júnior e Rosa Maria de Andrade Nery, Código de Processo Civil Comentado, 7ª ed., 2003, Ed. Revista dos Tribunais). 

Tanto a liberdade de expressão e informação - na qual se inclui a liberdade de imprensa - quanto a inviolabilidade da honra estão expressos no texto constitucional, integrando o rol dos direitos fundamentais: 

"Art. 5º (). 

IV - é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato; 

V - é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem; 

IX - é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença; 

XIII - é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer 

XIV - é assegurado a todos o acesso à informação e resguardado o sigilo da fonte, quando necessário ao exercício profissional; 

X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação; 

Art. 220.A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição. 

§ 1º Nenhuma lei conterá dispositivo que possa constituir embaraço à plena liberdade de informação jornalística em qualquer veículo de comunicação social, observado o disposto no art. 5º, IV, V, X, XIII e XIV. 

§ 2º É vedada toda e qualquer censura de natureza política, ideológica e artística." 

É justamente nesse contexto, no exercício de direitos fundamentais, que tem se intensificado o debate acerca da responsabilidade civil decorrente de publicações na imprensa. 

De um lado, tem-se a proteção constitucional da honra e da imagem das pessoas, com a garantia da devida reparação por danos decorrentes da sua violação. Do outro, a Constituição Federal também assegura a liberdade de imprensa, atividade reconhecidamente importante na construção do pluralismo de idéias e da própria democracia (CAVALIERI FILHO, Sergio. Programa de responsabilidade civil . 10. ed. rev. e ampl. São Paulo: Atlas, 2012. p. 120-121; FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson; BRAGA NETTO, Felipe Peixoto. Curso de direito civil: responsabilidade civil . 2. ed. rev., ampl. e atual. São Paulo: Atlas, 2015. v. 3. p. 634-635). 

Diante dessa situação de colisão de direitos fundamentais - ou de aparente colisão, como defendem alguns - surge a denominada técnica da ponderação de normas, valores e interesses, da qual o intérprete Num. 41462504 - Pág. 3 constitucional deve se valer para, à luz do caso concreto, tentar conciliar na medida do possível as pretensões em disputa, sempre buscando preservar ao máximo o conteúdo de cada uma (SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais: uma teoria geral dos direitos fundamentais na perspectiva constitucional . 10. ed. rev., atual. e ampl. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2009. p. 401-402). 

Nesse sentido, sobre a utilização de técnica da ponderação nessa relação conflitiva entre direitos da personalidade e liberdade de imprensa, transcrevo a doutrina de Cristiano Chaves, Nelson Rosenvald e Felipe Braga: 

"O direito constitucional contemporâneo maneja, habitualmente, um tema cuja relevância ganha progressiva força: a ponderação de bens. Como resolver conflitos entre princípios? Como optar por um deles, se ambos ostentam idêntico status constitucional? No caso da liberdade de imprensa -que traduz o direito de informar e também, do outro lado, o de ser informado - diante das agressões possíveis à intimidade e a vida privada, temos um clássico caso da necessidade de ponderar bens e princípios. 

O jurista do século XXI não opera apenas com regras. Lida também continuamente com princípios. Esses, abertos e flexíveis, impõem maior ônus argumentativo, e exigem a construção de técnicas hermenêuticas compatíveis com suas feições. Costuma-se dizer que os princípios entram, frequentemente, em choque, e tais conflitos só podem ser adequadamente resolvidos pela ponderação entre eles. Conforme já aludidos, é uma técnica que tem três postulados básicos: (a) só tem sentido diante de casos concretos, nunca de modo abstrato e apriorístico; (b) a solução dada em determinado caso concreto (prevalência, digamos, em determinado caso, da privacidade em relação à liberdade de expressão) não será necessariamente a mesma em outro caso com contextos distintos; (c) o intérprete, para chegar a uma solução, poderá fazer concessões recíprocas, procurando ponderar os interesses envolvidos. Por isso é que há autores alemães que dizem que o Estado Constitucional de Direito é um Estado de Ponderação (Abwägungsstaat). 

Não é possível dizer, de modo prévio, qual princípio irá prevalecer. A resposta depende da ponderação dos valores relevantes nas circunstâncias específicas. Nossa ordem jurídica não tolera a censura; por outro lado, também não aceita que se esvazie o princípio que resguarda a intimidade e a vida privada das pessoas." (FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson; BRAGA NETTO, Felipe Peixoto. Curso de direito civil: responsabilidade civil . 2. ed. rev., ampl. e atual. São Paulo: Atlas, 2015. v. 3. p. 634-635). 

Para auxiliar nessa árdua tarefa de ponderação, a doutrina estabelece algumas circunstâncias específicas que podem nortear o exame da razoabilidade da publicação jornalística, dentre as quais se destaca: a) a veracidade do fato, b) a licitude do meio empregado na obtenção da informação, c) a personalidade pública ou estritamente privada da pessoa objeto da notícia, d) o local e a natureza do fato noticiado e e) a existência de interesse público na divulgação, especialmente quando o fato decorra da atuação de órgãos ou entidades públicas. 

Tais parâmetros, conforme aponta Luís Roberto Barroso, servem de guia para o intérprete no exame das circunstâncias do caso concreto e permitem certa objetividade às suas escolhas (BARROSO, Luís Roberto; BARCELLOS, Ana Paula. Colisão entre liberdade de expressão e direitos da personalidade. Critérios de ponderação. Interpretação constitucionalmente adequada do Código Civil e da Lei de Imprensa. RTDC, v. 16, out./dez. 2003, p. 101). 

No caso em tela, o que se vislumbra da leitura da matéria jornalísticas que acompanha a inicial é que o requerido tratou de publicar informação verdadeira, ou seja, nos termos do decidido pela Justiça Trabalhista; que a notícia em questão foi obtida por meio lícito, colhida no sistema de consulta processual; foi noticiada no Blog do Caldeira, que se propõe a ser um canal jornalístico; e que há claro interesse público na divulgação, eis que o bloqueio dos valores deu-se em atendimento ao pedido formulado pelo sindicato dos trabalhadores. Além disso, não há qualquer notícia de que se tratava de processo sigiloso. 

O direito de resposta é assegurado a qualquer pessoa que for ofendida em matéria divulgada, publicada ou transmitida por veículo de comunicação social (art. 2º, Lei 13.188/2015). É ofensivo o conteúdo que ainda que por equívoco de informação,- atenta contra a honra, a intimidade, a reputação, o conceito, o nome, a marca ou a imagem- de pessoa física ou jurídica identificada ou passível de identificação. 

Num. 41462504 - Pág. 4 As teses da parte autora não merecem acolhida, pois não houve ofensa, mas sim a comunicação de uma decisão judicial. Destaca-se a inexistência de emissão de qualquer juízo de valor sobre os fatos noticiados que foram relatados de maneira sucinta, atendo-se aos limites da informação recebida, e, ainda, a ausência de mácula na obtenção da informação, a origem pública da notícia e a natureza dos fatos narrados que estão relacionados a uma conduta delitiva, a revelar o interesse público na divulgação. 

Por fim, presente a pertinência da informação jornalística, pois a veracidade constitui um dos mais importantes critérios para a sua legitimação, com base na teoria da busca da verdade. 

Apenas os excessos devem ser coibidos, o que não ocorreu no caso em tela. 

Desse modo, a narrativa não extrapolou a postura decorrente da liberdade de informação do requerido e, nessa condição, deve ser tolerada, não configurando, por conseguinte, abuso de direito, nem carregando excessos capazes de transgredir os direitos da personalidade do autor, razão pela qual a improcedência dos pedidos autorais é medida que se impõe. 

Repelem-se, em arremate, as alegações do requerido no que tange a litigância de má-fé da parte a utora. 

Com efeito, em apreciando a matéria, as Cortes Superiores de justiça já assentaram que se caracteriza a litigância de má-fé, quando são feridos os princípios da probidade, da lealdade, com que se devem haver as partes no processo (cf. RT – 582-127). 

Assim se entende, em realidade, porquanto os expedientes utilizados no curso da demanda devem conter-se nos lindes da dignidade da Justiça (cf. JTARS – 35/311). 

Não se pode, porém, em exegese de rigor objetivo, detectar deslealdade processual no comportamento da parte cujos fundamentos, em princípio, sejam defensáveis, sob pena de se ter por litigante de má-fé todo aquele que venha a perder a demanda (cf. RT – 609/122). 

Na hipótese vertente, infere-se que as manifestações opostas pela autora não foram além do legítimo direito de petição em devido processo legal. O direito de petição, por si só, não configura nenhuma das hipóteses de litigância de má-fé previstas no Código de Processo Civil. 

Esclareço, ainda, que é entendimento assente de nossa jurisprudência que o órgão judicial, para expressar a sua convicção, não precisa aduzir comentário sobre todos os argumentos levantados pelas partes. Sua fundamentação pode ser sucinta, pronunciando-se acerca do motivo que, por si só, achou suficiente para a composição do litígio, cumprindo-se os termos do artigo 489 do CPC, não infringindo o disposto no §1º, inciso IV, do aludido artigo. 

No mesmo sentido: “O juiz não está obrigado a responder todas as alegações das partes, quando já tenha encontrado motivo suficiente para fundamentar a decisão, nem se obriga a ater-se aos fundamentos indicados por elas e tampouco a responder um a um todos os seus argumentos” (STJ - 1ª Turma, AI 169.073 SPAgRg, Rel. Min. José Delgado, j. 4.6.98, negaram provimento, v. u., DJU 17.8.98). 

Num. 41462504 - Pág. 5 O Código de Processo Civil previu que o julgador deve exercer o convencimento motivado e fundamentado, mantendo o entendimento de que nem todas as questões suscitadas pelas partes precisam ser enfrentadas, salvo se estiverem aptas para infirmar a conclusão do julgado. 

Prejudicadas ou irrelevantes as demais questões dos autos. 

ANTE O EXPOSTO, e considerando tudo que dos autos consta, JULGO IMPROCEDENTE o pedido inicial formulado, resolvendo o mérito nos termos do art. 487, inciso I do Código de Processo Civil. 

Condeno a parte autora, ainda, ao pagamento das custas, despesas processuais e honorários advocatícios, estes que arbitro no equivalente a 10% do valor atualizado da causa, nos termos do art. 85, §2º do CPC. 

Por fim, de modo a evitar o ajuizamento de embargos de declaração, registre-se que, ficam preteridas as demais alegações, por incompatíveis com a linha de raciocínio adotada, observando que o pedido foi apreciado e rejeitado nos limites em que foi formulado. 

Por consectário lógico, ficam as partes advertidas, desde logo, que a oposição de embargos de declaração fora das hipóteses legais e/ou com postulação meramente protelatória lhes sujeitará a imposição da multa prevista pelo artigo 1026, § 2º, do Novo Código de Processo Civil. 

Na hipótese de interposição de apelação, tendo em vista a nova sistemática estabelecida pelo CPC que extinguiu o juízo de admissibilidade a ser exercido pelo Juízo “a quo” (CPC, art. 1.010), sem nova conclusão, intime-se a parte contrária para que ofereça resposta no prazo de 15 (quinze) dias. Havendo recurso adesivo, também deve ser intimada a parte contrária para oferecer contrarrazões. Após, subam ao E. TJ/RO. 

Caso nada seja requerido após o trânsito em julgado desta, observadas as formalidades legais, arquive-se com as anotações de estilo. 

SERVIRÁ A PRESENTE SENTENÇA COMO OFÍCIO/ MANDADO DE INTIMAÇÃO/NOTIFICAÇÃO E/OU CARTA PRECATÓRIA. 

P.R.I.C., promovendo-se as baixas devidas no sistema. 

Porto Velho, 1 de julho de 2020 

Miria do Nascimento De Souza 
Juíza de Direito

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