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SOLDADOS DA BORRACHA ESPERAM PELA PEC 556/2002

HERÓIS BRASILEIROS ESQUECIDOS PELOS PODERES PÚBLICOS
No último dia 11 de março, audiência pública na OEA cobrou também do Brasil e dos Estados Unidos o pagamento de pensões dignas a famílias e sobreviventes dos 60 mil voluntários de guerra.
Fome, trabalho escravo, doenças e miséria. Tudo em nome de uma luta contra o nazismo e para servir aos Estados Unidos, entre 1942 e 1945, durante a Segunda Guerra Mundial, mais de 60 mil  brasileiros, nordestinos, por força de um acordo entre o ditador Getúlio Vargas e o governo norte americano, foram mandados para a Amazônia para trabalhar em seringais, fornecendo matéria-prima às forças aliadas que lutavam contra a Alemanha de Adolf Hitler. Eram os Soldados da Borracha, obrigados pelo governo de Vargas a cumprir um contrato que estabelecia  o fornecimento anual de 800 mil toneladas de borracha.
A propaganda ufanista do Estado Novo escondia dos nordestinos a dura realidade que eles iriam encontrar na extração do látex nos vales amazônicos: “Ao nordestino, cabe uma tarefa  tão importante como a do manejo das metralhadoras (...) impõe-se lhe o dever de lutar nas terras abençoadas da Amazônia, extraindo a borracha, produto indispensável para a vitória, como a bala e o fuzil”. À época, quem não quisesse se alistar na Força Expedicionária Brasileira (FEB), tinha a “opção” de ir para a Amazônia. Era trocar um adversário forte, mas conhecido, como os alemães, por outro totalmente desconhecido, com suas doenças mortais, mistérios e armadilhas impostas pela natureza.
Passando quase 70 anos dessa saga, escrita literalmente com muito suor, sangue e lágrimas, no País quase ninguém lembra mais disso e na Amazônia, onde a memória também é curta, alguns poucos trabalhadores, inclusive de Rondônia, lutam para que as violações dos direitos humanos sejam reparadas com justa indenização às vítimas e aos familiares dos militares que já faleceram, além de aposentadorias e pensões dignas.
Dos 60 mil que se embrenharam nas matas Amazônicas, a grande maioria já morreu. Apenas 9 mil continuam vivos, 4.800 deles no Acre. Embora o estado brasileiro reconheça os Soldados da Borracha com heróis nacionais, como os pracinhas que lutaram nos campos da Itália, eles ainda estão longe da valorização que merecem.
No ultimo dia 11 de março, em Washington (EUA), parte dessa historia de omissões e descaso começou a mudar. Em audiência pública na Comissão Interamericana dos Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (OEA), o defensor público Carlos Eduardo Barros da Silva, do Pará, a presidente do Sindicato dos Aposentados, Pensionistas e Soldados da Borracha do Acre, Iracema Cunha de Carvalho, o presidente do Sindicato dos Soldados da Borracha e Seringueiros de Rondônia, João Romão Grande, representação de parentes e dois ex-soldados da borracha, denunciaram o abandono em que esses brasileiros se encontram.
Eles pediram formalmente que sejam pagas “pensões dignas” e uma indenização pelo governo dos Estados Unidos, que se beneficiou diretamente do trabalho realizado pelos soldados da borracha na extração do látex. O valor da indenização  a ser pago pelos americanos ainda não foi estipulado. No processo já aberto há contratos assinados por nordestinos com empresa americanas. Mas no Brasil, particularmente em Rondônia, a Justiça Federal já condenou união a pagar R$ 780 mil cada soldado da borracha ainda vivo e aos familiares dos que faleceram. A união está recorrendo para não pagar.
Pejorativa
A maioria dos que ainda vivem tem mais de 75 anos e alguns superam os 90 anos. Foram recrutados em regime militar para trabalhar na Amazônia em autêntico esforço de guerra em favor das potências aliadas que lutavam conta a Alemanha. “Tratou-se, portanto, de um recrutamento militar. Por isso desde o fim dos anos 80 a administração brasileira os reconhece como tais e concede duas pensões mínimas por mês, uma compensação que, de acordo com vários dos parentes e os próprios afetados, ‘em muitas ocasiões não chega a ser efetiva’”, diz o defensor Carlos Eduardo Silva. Ele explicou, durante a audiência, que um dos maiores problemas é que, para ter acesso à pensão, “os ex-soldados têm que demonstrar seu passado com documentos e provas escritas, quando muitos deles perderam tudo por causa de inundações e as inclemências próprias de uma região selvática”.
Segundo o defensor paraense, nem todos os soldados da borracha foram reconhecidos. E lamentou a falta de respeito aos “militares enviados à Amazônia em condições muitas vezes sub humanas”. Hoje, na velhice, eles “são tratados de maneira pejorativa”. Carlos Eduardo Silva relatou que os “soldados da borracha” foram desmobilizados, mas muitos deles não puderam retornar para suas casas e permaneceram na região, vivendo com as sequelas do duro trabalho na selva. “Trinta mil homens morreram em 1946, um ano depois do fim da Segunda Guerra Mundial”, recordou o defensor.
Na companhia dele, em Washington, estavam dois ex-soldados da borracha, José Soares da Silva, de 93 anos, e Antônia B. Silva, de 89. A filha de um ex-soldado de 86 anos, Edna Comesanha, tinha viagem marcada, mas não pôde estar na audiência devido a problemas de saúde. O governo brasileiro deve ser pressionado pela OEA, entende o defensor, porque todos os recursos internos foram esgotados com as audiências públicas realizadas em Belém, Porto Velho e Rio Branco.
OUTRO EXÉRCITO

60 mil brasileiros foram mandados para a Amazônia para trabalharem seringais durante a Segunda Guerra Mundial. A obrigação era fornecer 800 mil toneladas de borracha às forças aliadas. Hoje, apenas 9 mil desses trabalhadores continuam vivos.
Borracha: arma estratégica na oposição mundial a Hitler
No final de 1941, os países aliados viam o esforço de guerra consumir rapidamente seus estoques de matérias-primas estratégicas. E nenhum caso era mais alarmante do que o da borracha com a entrada do Japão no conflito, pois foi aquele país que determinou o bloqueio definitivo dos produtores asiáticos de borracha. Considerada uma situação alarmante pelos estrategistas, o governo americano teve que adotar medidas corretivas imediatas para que aquele país combatente não entrasse em colapso civil e militar. Carlos Eduardo Silva relata que, dentro desse contexto, as atenções dos americanos se voltaram para a região amazônica, um imenso reservatório natural de borracha capaz de produzir cerca de 800 mil toneladas anuais, produção mais do que suficiente para garantir necessidade desejada. Preliminarmente estava resolvido o problema do lugar para a extração da matéria-prima. Entretanto, apesar da potencialidade da floresta em fornecer tamanha quantidade de borracha naquela época, só havia na região amazônica cerca de 35 mil seringueiros em atividade e devidamente cadastrados, número insuficiente para garantir a  produção almejada e no curto espaço de tempo desejado. Tendo como meta o alcance da produção que queria, o governo americano deu início a intensas e regulares negociações com as autoridades brasileiras, o que culminou com a assinatura de vários acordos. No caso específico dos soldados da borracha, ficou estabelecido que o governo americano investiria maciçamente no financiamento da produção da borracha amazônica e, como contrapartida, o governo brasileiro teria que arregimentar grandes contingentes de trabalhadores dispostos a exercerem a função extrativista nos seringais. Em troca desta principal matéria-prima, que era o látex, os norte-americanos subsidiariam as despesas do governo brasileiro com o envio de voluntários para os seringais da Amazônia. Não demorou muito para que o governo do presidente Getúlio Vargas iniciasse uma maciça campanha institucional em que objetivava recrutar muitos brasileiros dispostos exercer a atividade extrativista na Amazônia, bem como a propagandear promessas de grande fartura e riqueza nesse novo eldorado.
MARCADOS
Nesse contexto, surgem os soldados da borracha, milhares de brasileiros frutos do esforço de guerra e dos famosos Acordos de Washington firmados entre Brasil e os Estados Unidos por intermédio do Decreto- Lei nº 5.813, de 14 de setembro de 1943-norma brasileira que foi responsável pela criação da Comissão Administrativa do Encaminhamento de Trabalhadores para a Amazônia (Caeta) e que transmitiu ao Exército Brasileiro o ônus de alistar aquelas pessoas voluntárias. A época, administração federal proporcionou para aquelas pessoas recrutadas uma possibilidade de escolha: ou elas iam para frente de batalha na Itália ou teriam que extrair o látex na Amazônia. Tendo a falsa percepção de que seria aparentemente mais fácil se descolarem até a região e lá colher o látex, muitos desses preferiram se aventurar na floresta a irem para a guerra. Não sabiam que tal escolha determinaria e marcaria suas vidas por muitos anos, na verdade para sempre.
Propaganda oficial e trabalho escravo

A figura do “soldado da borracha” surge como início e fomento do segundo ciclo de crescimento econômico da região amazônica. Esses cidadãos, sem terem a exata importância do seu papel e das atividades desempenhadas na região dos seringais, iniciam o que muitos historiadores denominam de “Batalha da Borracha”. O Defensor  Público Carlos Eduardo Barros da Silva observa no relato que fez na audiência em Washington que o recrutamento dos nordestinos feito pelos órgãos brasileiros ganhava adeptos em razão das propagandas responsáveis por descrever uma Amazônia totalmente desvinculada da realidade e pela existência de um contrato de trabalho fértil em promessas de vida nova e que ocultava a hostilidade do habitat amazônico e o sistema de escravidão que aguardavam esses soldados dentro dos distantes rincões da região.
Até artistas foram contratados para produzir material de divulgação acerca da “realidade” que esperava a população convocada. Trabalhando no departamento de propaganda do Serviço Especial de Mobilização de Trabalhadores para a Amazônia (Semta), o artista plástico suíço Jean Pierre Chabloz (1919-1984) se dedicou à criação de estudos, cartazes, folhetos, logomarcas, ilustrações para conferências e a “Cartilha do Soldado da Borracha”, que tinham como único objetivo convencer a transferência de um grande contingente de trabalhadores para o “Esforço de Guerra-Batalha da Borracha” na Amazônia.
Flagelados
Ilustrações auxiliaram na intensificação da contribuição do poder de persuasão do ‘discurso do socorro’ posto em cena, à época, pelo presidente Getúlio Vargas. Esse discurso segundo a doutora em História pela Universidade do Ceará Lúcia Arrais Morales Clamava que, em virtude da seca que assolou a região semiárida no ano de 1942, o descolamento para Amazônia representava a solução de salvamento para homens nordestinos vitimas da estiagem - homens estes que enquadrados, em falsa oficias, na categoria de ‘flagelados’.
As propagandas veiculadas nos principais meios de comunicações da época traziam palavras de ordem “Tudo pela Pátria e Vitória” ou “Terra da Fartura”. Assim, muitos brasileiros, especialmente os nordestinos que enfrentavam uma rigorosa seca, logo trataram de atender tais reclamos e, assim, fugir da miséria e escassez de recursos.
Com o final da Segunda Guerra Mundial, os soldados da borracha foram desmobilizados. Contudo, grande parte não pôde deixar os seringais em virtude as astronômicas dívidas assumidas com os seringalistas, seus patrões. Milhares faleceram na região vítimas de doenças como a malária, febre amarela, beribéri e icterícia. Sem mencionar os ataques de índios e animais selvagens.
Entenda Os Fatos:
1942- O Brasil finalmente entra na Segunda Guerra Mundial;
1943- Surgem os soldados da borracha: são milhares de brasileiros de famílias nordestinas, frutos do esforço de guerra e dos famosos Acordos de Washington, firmados entre o Brasil e os Estados Unidos por intermédio do Decreto- Lei nº 5.813, de 14 de Setembro de 1943;
1946- Comissão Parlamentar de inquérito apura situação enfrentada pelos soldados da borracha. Um relatório indica medidas para minimização dos danos aos trabalhadores;
1988- Previsão do artigo 54 do ADCT na Constituição garante a pensão vitalícia de dois salários-mínimos aos seringueiros recrutados;
1998- Alteração legislativa passou a exigir prova documental: grande número de soldados da borracha não conseguem seu reconhecimento frente à burocracia;
2010- Início da Ação Soldados da Borracha pela Defensoria Pública do Estado do Pará;
2011- No dia 15 de julho, é sancionada a Lei nº 12.447, que inscreveu o nome do grupo de seringueiros no livro dos Heróis da Pátria;
2012- Na XI Edição do Prêmio Innovare, o sistema judiciário dá menção honrosa à Ação Soldados da Borracha, da Defensoria Pública do Pará.
Os Avanços:
- Ação de indenização contra a União e os EUA é a proposta pelo Sindicato dos Soldados da Borracha do Estado de Rondônia. Ela tramita há mais de 3 anos sem nenhuma solução;
-Movimento pela aprovação da PEC 556/2002, que equiparia os soldados da borracha aos pracinhas, faz audiências públicas em RO, PA, AC e DF.
 Pedidos à OEA em Washington
- Agilização do Projeto de Emenda Constitucional 556/2002, que tramita pelo Congresso há dez anos. Já são 18 pedidos de ingressos na pauta até hoje, sem sucesso;
- Investigação sobre o uso dos recursos oriundos dos Acordos de Washington;
- Reforma Legislativa contra a burocracia para requerer o benefício. A única listagem tem 14 mil nomes e está no Arquivo Nacional, mas estima-se que mais de 60 mil pessoas foram encaminhadas à Amazônia;
- Criação da Comissão da Verdade, prevista no III Plano Nacional de Direitos Humanos (2009), sobre o período do Estado Novo;
- Criação de um memorial ou instituto de pesquisa sobre o tema;
-Indenização aos sobreviventes.

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