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CASO NAIARA KARINE - DEU NO THE NEW YORK TIMES - CONDENADO PODE SER "BENEFICIADO" COM O CHÁ ALUCINÓGENO

A edição do dia 28/03 do jornal The New York Times trás o complemento de uma outra matéria que foi publicada em novembro de 2014.  E agora com o depoimento do Sr. Paulo Freitas, pai da vitima, a estudante de jornalismo, Naiara Karine.
Assassino confesso e condenado a mais de 24 anos de cadeia.


A medida em que o céu da noite envolvia a cidade na bacia amazônica no Brasil, a cerimônia no templo ao ar livre começava de uma forma bem simples.

Dezenas de adultos e crianças, todos vestidos de branco, ficaram em fila. Um sacerdote entregou a cada um deles uma xícara de ayahuasca, uma bebida alucinógena com aspecto barrento. Eles engoliram; alguns vomitaram. Hinos foram cantados. Mais ayahuasca foi consumida. À meia-noite, os membros da congregação pareciam estranhamente energizados. Então a dança começou.

Estes rituais são comuns por toda a Amazônia, onde a ayahuasca vem sendo consumida há séculos, e religiões inteiras cresceram em torno do preparado psicodélico. Mas a cerimônia foi diferente numa noite deste mês: entre os que bebiam do decanter do sacerdote estavam presidiários, condenados por crimes como assassinato, sequestro e estupro.

“Finalmente estou percebendo que eu estava no caminho errado nesta vida”, disse Celmiro de Almeida, 36, que cumpre pena por homicídio em uma prisão a quatro horas dali, por uma estrada que serpenteia pela floresta. “Cada experiência me ajuda a me comunicar com a minha vítima para pedir perdão”, disse Almeida, que já tomou ayahuasca quase 20 vezes no templo.


A administração de um alucinógeno para detentos que saem em licenças curtas no meio da floresta tropical reflete uma busca contínua por formas de aliviar a pressão sobre o sistema carcerário brasileiro. A população carcerária do país dobrou desde o começo do século, para mais de 550 mil, sobrecarregando as prisões, já mal financiadas, com violações aos direitos humanos e rebeliões violentas que incluem até decapitações.

Uma das rebeliões mais sangrentas em prisões nas últimas décadas aconteceu na cidade próxima de Porto Velho, em 2002, quando pelo menos 27 detentos foram mortos no presídio Urso Branco. Na mesma época, o Acuda, um grupo pioneiro de luta pelos direitos dos presos em Porto Velho, começou a oferecer aos presos sessões de ioga, meditação e Reiki, um ritual de cura que direciona energia das mãos do praticante para o corpo do paciente.

Dois anos atrás, os terapeutas voluntários do Acuda tiveram uma nova ideia: por que não dar ayahuasca aos detentos também? A bebida amazônica, que geralmente é feita da mistura e fervura de um cipó (Banisteriopsis caapi) com uma folha (Psychotria viridis), está crescendo em popularidade no Brasil, Estados Unidos e outros países.

O Acuda teve problemas para encontrar um lugar onde os presos pudessem beber ayahuasca, mas finalmente foram aceitos por uma ramificação do Santo Daime, uma religião brasileira fundada nos anos 1930 que mistura catolicismo, tradições africanas e os transes de comunicação com espíritos popularizados no século 19 por um francês conhecido como Allan Kardec.


“Muitas pessoas no Brasil acreditam que os presos devem sofrer, suportando a fome e a perversidade”, disse Euza Beloti, 40, psicóloga do Acuda. “Esse pensamento reforça um sistema em que os presos voltam à sociedade mais violentos do que quando entraram na prisão.” No Acuda, diz ela, “nós simplesmente vemos os presos como seres humanos com a capacidade de mudar”.

Beloti e outros terapeutas testam os aspectos dessa filosofia em um prédio dentro de um vasto complexo prisional em Porto Velho. Os juízes e administradores dos presídios permitem que cerca de dez detentos de prisões de segurança máxima da cidade vivam no prédio do Acuda, uma antiga instalação militar. Dezenas de outros presos de penitenciárias vizinhas frequentam as sessões de terapia do Acuda todos os dias.

Dentro do complexo, os internos praticam meditação. Eles fazem massagem ayurvédica uns nos outros. Eles aprendem habilidades como manutenção de motos. A oficina de carpintaria dá a eles acesso a ferramentas como serrotes, martelos e furadeiras. E eles cuidam de uma horta, plantando verduras e legumes e as plantas usadas para fazer ayahuasca.

Tratar presos com drogas psicodélicas em qualquer lugar é visto como algo raro. Em um experimento de curta duração nos Estados Unidos na década de 1960, pesquisadores da Universidade de Harvard, sob a direção do psicólogo Timothy Leary, deram psilocibina, uma droga derivada de cogumelos psicoativos, para detentos em uma prisão em Concord, Massachusetts.


“Certamente é uma novidade para os presos, mas a ayahuasca tem um grande potencial porque, em condições ideais, pode produzir uma experiência transformadora em uma pessoa”, diz Charles S. Grob, professor de psiquiatria da Faculdade de Medicina da UCLA, que conduziu pesquisas extensas sobre a ayahuasca.

Grob alertou que há riscos. A bebida pode exacerbar as doenças de pessoas tratadas com medicamentos antipsicóticos para esquizofrenia ou transtorno bipolar. A ingestão de drogas como cocaína ou metanfetamina antes de consumir ayahuasca também é perigosa.

“Isso seria um desastre porque o indivíduo poderia ter uma reação hipertensiva que levaria a um derrame”, disse Grob.

Os supervisores do Acuda, que obtêm permissão de um juiz para levar cerca de 15 presos uma vez por mês para a cerimônia no templo, dizem que estão conscientes dos riscos da ayahuasca, comumente chamada de Daime no Brasil ou simplesmente de chá. Ao mesmo tempo, os terapeutas do Acuda consomem a bebida com os internos e, de vez em quando, com o guarda de prisão que se voluntaria para acompanhar o grupo.

“É assim que deve ser”, disse Virgílio Siqueira, 55, policial aposentado que trabalha como guarda no complexo prisional que inclui o Acuda. “É gratificante saber que podemos sentar aqui na floresta, beber nosso Daime, cantar nossos hinos, viver em paz.”

Muitas pessoas no Brasil, onde políticos conservadores estão ganhando força enquanto prometem combater o crime em um país com mais homicídios por ano do que qualquer outro, ainda não estão convencidas. Terapeutas voluntários do Acuda disseram que têm clientes em seus consultórios particulares que não concordam em dar esse tipo de atenção para os condenados. Alguns parentes de vítimas que sofreram nas mãos dos presos do Acuda argumentam que o projeto é injusto.

“Onde estão as massagens e a terapia para nós?”, pergunta Paulo Freitas, 48, gerente de uma fábrica de couro cuja filha de 18 anos, Naiara, uma estudante universitária, foi sequestrada, estuprada e assassinada em Porto Velho em 2013 por um grupo de homens, um crime que deixou muitas pessoas neste canto da Amazônia perplexas.

Freitas disse ter ficado chocado ao saber recentemente que um dos homens condenados pelo assassinato de sua filha deveria ser transferido em breve para os cuidados do Acuda. “Isso é absolutamente revoltante”, disse ele. “Os sonhos da minha filha foram extintos por esse homem, mas ele vai ter permissão para ir para a floresta e beber o seu chá.”

Outros questionam se o consumo de Daime pode ajudar a reduzir as taxas de retorno à prisão. Luiz Marques, 57, economista que fundou o Acuda, disse que a organização espera reduzir a reincidência, mas ele enfatizou que o objetivo mais imediato é a “expansão da consciência” dos presos em relação ao certo e o errado.

No templo de Ji-Paraná, os presos pareciam experimentar uma série de reações depois de beber a ayahuasca. Sentados em cadeiras de plástico de jardim sob um telhado com telhas à mostra, alguns pareciam impassíveis. Outros pareciam perdidos em contemplação. Um estava constantemente aos prantos, como se demônios estivessem à porta. Todos eles cantavam a plenos pulmões quando o ritmo dos hinos ficava mais intenso.

“Somos considerados o lixo do Brasil, mas este lugar nos aceita”, disse Darci Altair Santos da Silva, 43, operário da construção civil que cumpre pena por abuso sexual de uma criança menor de 14 anos. “Eu sei que o que eu fiz foi muito cruel. O chá me ajudou a refletir sobre este fato, sobre a possibilidade de um dia poder encontrar a redenção.”

The New York Times – Tradução: Eloise De Vylder

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